quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Taskig postmodernism.

São cinco da manhã e eu perdi a paciência com o tempo. Não é justo que eu tenha que esperar enquanto os outros se movem, sabe quando tu queres passar num corredor meio lotado de shopping e um grupo de gente lerda está justamente na tua frente, e tu tentas passar pelas laterais, pelo meio, por cima, por baixo, mas acaba por desistir e andar no mesmo passo
v a   g     a       r      o       s                     o
e enquanto isso as geleiras da Antártida já derreteram e solidificaram de novo e foram manchadas com petróleo arrombado e tu lá, esperando aquela gente se mover, e tu pensas "Caralho, que que eu tô fazendo aqui?". É como eu me sinto, só que salvando as devidas proporções, porque eu não sou impedida por ninguém, só por mim mesma. Eu podia levantar a bunda dessa cama e fazer alguma coisa, sabe, eu podia pentear o cabelo, eu podia começar a fumar, eu podia parar de fumar, eu podia tomar uma cerveja escondida e cortar as costas da minha mão pra dizer por aí que eu tenho uma cicatriz, fodona que sou, eu podia levantar da cama ao menos pra desligar a porra do despertador, mas a música é boa, escolhida a dedo, e daqui a pouco ele vai entrar no modo Soneca e eu vou ter que forçar meus olhos a ficarem abertos porque se eu piscar serão sete da manhã e eu terei perdido o período da aula de Espanhol - que eu não frequento mas uso como momento de meditação - e a culpa seria claramente tua, afinal eu não dormi ontem por tua culpa. Tu nem sabes meu nome, na real, mas a culpa continuaria sendo tua porque não existe outra razão, não existe outra pessoa, não existe outra dor de cabeça. Cinco e quinze eu já estou pronta e o ônibus só vem depois das seis e meia e eu quase volto a dormir porque caralho, meus olhos estão inchados e fechando sozinhos e eu já estou na segunda, terceira, quarta rodada de café naquela caneca que me foi comprada em Barcelona, meio nas coxas, mas com carinho e de coração. Eu sento no pufe no meio da sala, virada de costas pra televisão e de frente pras cortinas blecaute fechadas e penso "Hoje vai ser uma merda" e já dou um sorrisinho sabendo que isso é mentira, levanto os braços acima da cabeça e vou curvando o corpo até tocar o chão e lembro que não fiz alongamento e dar uma de bailarina foi uma péssima ideia, caralho, minhas costas doem e estralam e param e eu decido que nunca mais vou me levantar do pufe, por mais que me suba o sangue ao rosto, ao cérebro, ao nariz redondo. Vou virar uma vivant excéntrique da vida, aparecer no jornal, noticiário e manchete de fofoca, vou me recusar a levantar daquele pufe até que tu venhas e me busques e cuide de mim como eu sei que mereço, porque eu já me arrombei muito pra precisar, além de tudo, no topo de tudo, ter que correr atrás de ti. Não me mereces, também. Já fiquei tonta e levantei do pufe há tempos e já são quinze pras seis.

Pulo pra parte interessante e começo a pensar, já no ônibus, por que infernos eu te curto tanto. Não tens nada de especial, não és obviamente bonito, não és tão inteligente assim, aposto que não sabe jogar Medal of Honor e eu te ganharia numa partida de Ludo Real numa facilidade louca. Tu me quebrarias ao meio numa corrida e certamente num concurso de "Quem come mais pedaços de pizza", mas acho que não há desvantagem aí, e eu e tu seríamos um páreo bom na hora do sexo, porque eu realmente não sei quem teria mais problemas de acompanhar o outro, porque eu sei que tu és pior na hora da competição do que eu, e eu tenho que parar de me desafiar o tempo todo visto que eu já passei do limite trinta e quatro vezes e fica difícil decidir quando eu agrado e quando eu me queimo. Seis e quarenta e dois da manhã, céu de nascente, cor de tangerina, cor de vitamina, cor de xarope de groselha.

Você
duas sílabas casadas
em degradê
Talvez sejas tu
Tu
monossílabo
quieto e manso
solitário como eu gosto que tu sejas, como eu espero que tu sejas.

Vou muito com a tua cara e o papo está muito bom, mas o céu está com cor de limonada rosa e eu preciso lembrar o nome daquele filme que prometi. Volto a pensar em ti mais tarde, parada num pufe de concreto numa rua cujo nome eu desconheço, e o sol mal nasceu e as luzes da rua nem apagaram ainda, mas eu já estou pensando em ti, e eu não consigo lembrar se fechei a janela do meu quarto no caminho de saída.

6 comentários:

  1. Só para te deixar com o ego um pouquinho mais inflado: eu praticamente já decorei esse e ainda fico meio apaixonada por você sempre que leio.

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  2. "You write so
    beautifully, the
    inside of your
    mind must be a
    terrifying place"

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  3. audy, como já te disse antes, voce escreve maravilhosamente bem <3

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  4. Tenho esse texto escrito em um dos meus caderninhos, tão bom que ele é.

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