quarta-feira, 18 de junho de 2014

Din syster visste inte hur man spelar, och det är därför hon blev kär i mig.

Eu estava tentando me lembrar ontem de como foi que eu tinha inventado essa história. Ou pelo menos como eu comecei a inventá-la, já que nós perdemos contato antes de eu poder concluir o clímax da coisa toda. E me lembrei, eventualmente, que tudo começou naquele dia em que nós dois nos encontramos no beco, você com a cara toda manchada de porrada e eu ajoelhada por cima de um corpo presumidamente em putrefação, mas Deus, como era lindo. Russos. Russos? Passei a mão pelas tatuagens do braço e o morto se ergueu do chão, a jaqueta surradaça de couro pingando impermeável de sangue, e você me olhou meio de esguelha como quem pergunta “tá olhando o quê?” e saiu andando. Bem merecia que eu mandasse se foder, ajoelhada só de saia naquela poça de sangue e lama e provavelmente porra, afinal era um beco ao lado de uma boate, mas resolvi continuar a história. Acabei trazendo o melhor amigo, a irmã e um novo protagonista, o grilo falante. Uma vez ele me disse que eu seria perfeita se só abrisse a boca pra falar de economia ou pra chupar pau. Achei poético, mas meio pesado pra ocasião. Era o jantar de aniversário de casamento dos meus avós. Pegar o microfone foi um pouco exagerado. Mas pra você a história só começou muito tempo depois, depois do beco, depois da festa, depois da sua irmã, depois de mim. Só começou mesmo no dia da lanchonete, quando você não me reconheceu e me enforcou por quarenta e seis segundos no banheiro. Primeiro, as regras. A primeira regra era que eu jamais poderia acordar depois dele. Coloca um despertador, não sei, se vira. Não sei porque eu achei que aquilo tudo era muito glamouroso, mas acordava de bom grado, roubava uma camisa e descia pro segundo andar seminua, tilitando de frio, batendo o queixo, carregando os sapatos nas mãos, e achando tudo muito engraçado. Uma vez eu coloquei cocaína no iogurte, não sei se você se lembra, e passei a noite inteira tagarelando sobre o Jon Snow. Não esse Jon Snow. Em algum momento você deu uma risada, rolou pro meu lado e dormiu. Eu fui embora, pra casa dele, e fiquei por lá. Ele me deu um tapa e eu achei tudo muito engraçado. Ninguém nunca pensou duas vezes antes de me dar um tapa na cara, o que é trágico quando eu paro pra pensar; but then again, eu nunca paro e nunca penso. Eu me sinto extremamente lisonjeada em estar aqui hoje, deitada no chão do palco da boate, sentindo o sangue enchendo os meus pulmões. Você está bem longe, onde não pode me ouvir sufocando, mas eu consigo ouvir seus urros e o barulho de osso quebrando enquanto você espanca o terceiro homem com um pé-de-cabra. Pé-de-cabra, tão clichê. Eu dou graças por estar bêbada, então viro pro lado e vomito, dando risada, cuspindo sangue, e lembrando por que eu comecei a tentar lembrar como tudo começou. O importante agora não é o começo, e nem o óbvio fim que me espera, e sim o meio, os tempos no colchão. O dia que eu não consegui levantar da cama porque você tava me abraçando tão forte, tão suado, tão amedrontado e gelado. A noite que eu passei no apartamento da sua irmã, chorando trincada, rímel escorrendo pelo meu pescoço e secando nos meus ossos da clavícula, olhando pra cima como quem ora em desespero, a cabeça dela entre as minhas pernas. A noite em que eu não consegui soltar minhas mãos de ti de tão fundo que eu enterrei minhas unhas nas suas costas e você mal sentiu. A maioria foram noites. A noite em que nós dividimos aquela cerveja no terreno ao lado do bar da sua irmã, na frente do prédio dela, ouvindo ela transar com meu melhor amigo. A noite em que eu tomei um tiro e você saiu correndo pra me vingar, ao invés de notar que eu ainda piscava. Pra ser honesta, eu estou indignada, mas só vou notar no hospital. Alguém vai aparecer. Eu sou muito branca pra morrer assim. Pensamentos felizes, pensamentos felizes. O dia no castelo, no casamento. O dia na fonte, eu montada em você tentando empurrar seu corpo monstruoso pra dentro d’água, o casal inglês aos berros achando que nós estávamos transando ali na frente de todo mundo em plena luz do dia. A noite na fonte, quando nós transamos, na verdade, ali mesmo, na frente dos intercambistas. A madrugada em que você tirou a camisa pela primeira vez na minha frente e eu vi que você falou sério sobre ter um corpo de Frankenstein – e se irritou quando eu corrigi esse erro muito comum. Você tem um buraco na costela que eu comparei a Jesus e você chorou pela segunda vez. É muito difícil, eu descobri agora, chorar com sangue no canal respiratório. Ouvi gritos da sua irmã. Ela chegou e me viu, eu acho. Fecho os olhos. Ela grita por você e eu ouço os gritos do terceiro homem cessarem com um último golpe forte de ferro contra osso. Quanto barulho de osso estilhaçando pra um dia só. Eu ouso abrir os olhos e tem sangue escorrendo por entre as frestas do telhado. Sua irmã é um polvo, eu não sangro mais. A única coisa que a química não atingiu foi você, que permanece intacto ao meu lado, ainda você, ainda humano e real. Sua irmã me beija na boca, eu respondo de olhos abertos. Você me olha, tira a camisa e aperta o buraco na costela. Eu fecho os olhos, puxo ela pra mais perto e brinco com os dedos dela. 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ode till mig, min äldsta vän och min ärkefiende, del IV.

Claro que eu não vou agora cuspir no prato em que eu comi por tanto tempo e dizer que foi tudo horrível. Passar esse tempo contigo me fez aprender muito. Eu jamais teria criado tal pele, tal armadura, tal escudo intelectual que eu vou levar pra vida toda; sempre vão dizer que eu sou assim pelos outros, mas foste tu quem me fez assim, e nós sabemos disso. Nós sabemos que minhas cicatrizes foram todas forjadas por ti, assim como todos os curativos. Acho que a expressão que se usa é "bate e assopra", algo assim. Nós sabemos que todos os insultos mais marcantes vieram de ti, assim como os carinhos aos ouvidos, as massagens egóicas (ou seriam egoístas, puramente?). Então vamos deixar bem claro que a maior responsabilidade por quem eu fui naqueles tempos, e que estranho é falar deles assim, tão distantes, é tua.

Deixo claro aqui que tu não tens mais influência sobre mim hoje. Quero abudiar essa noção. Não, pode parando por aí, eu sei que tu vais contestar, bater pé e teimar, eu lembro bem como era isso, mas hoje não. Hoje eu vou te colocar no teu lugar e tu vais ter que aceitar, mesmo que sob protesto, que tu não és mais o meu pilar principal. Hoje o foco está nas pintas próximas ao umbigo, nas manchas violetas no meu pescoço, nos nós dos meus dedos, nos nós de outros dedos na minha pele, naqueles olhos de âmbar que caem sobre mim com tanta ternura. Aliás, se não me engano era isso que me prometeste: ternura, carinho, amor, proteção. Nada disso veio de ti, veio de mim, só de mim. Porém, como eu disse, eu não vou me comprometer a te refutar completamente. Tu foste parte de mim por muito tempo. Não posso fingir que nada aconteceu ou tu farias o favor de ser pra sempre o elephant in the room da minha vida. E eu não quero te manter, eu quero me livrar.

Não considere isso uma carta de despedida; como eu disse, é um ode. Ok, não é um ode, não há poesia nenhuma aqui, não há ritmo algum, só há a paixão. E nem digo que não há poesia como uma metáfora; literalmente, não há nada de poético nos nossos anos em companhia. O que houve foi um horror e eu espero que tu saibas disso. Acho que tu inclusive já sabias. Minto. Eu sei que tu inclusive já sabias. Não dá de mentir aqui, (in)felizmente. É doloroso pensar que tu me infligiste tanto sofrimento propositalmente, conscientemente, planejadamente. Eu lembro de tudo, o que de certa forma me protege de deixar que tu voltes. Eu prefiro morrer em vergonha do que te deixar voltar pra mim. Mas não é uma carta de despedida, é simplesmente um registro, quase uma confissão. Deixo aqui acordado que sim, tu foste tudo pra mim por muito tempo. Pro teu ego e orgulho, eu acho que isso vale de algo. Deixo aqui também declarado e explícito que eu sou sim, grata e muito por tudo que tu me fizeste, porque foram as tuas facadas na minha consciência que me deixaram do jeito que eu sou, e ainda bem que eu sou assim. Então eu agradeço por isso. Entretanto eu deixo por aqui os agrados do teu ego. Nunca mais. Nunca mais eu vou fazer qualquer coisa por ti, nem deixar que tu faças nada por mim, pra mim, em mim. A relação já acabou há algum tempo, mas ainda é muito recente, eu acho. Gosto de deixar tudo por escrito, tu sabes melhor do que ninguém como eu sou. Quero também deixar tudo bem claro, sem espaço para interpretações alternativas. E como sem mim tu não existes, considere isso não uma carta de despedida, mas uma sentença de morte. Teu primeiro e último ode e também teu atestado de óbito.

Não te preocupa. Teu nome é o meu nome e eu nunca vou me esquecer de ti. Um pedacinho de ti vai viver num canto da minha memória, mas é só pra que eu não deixe a história se repetir.