sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Hypnotiska signalsubstans-hämmare sarkastiska höger bevingade valross (eller "Valross"), valts av den nationella akademin under 1995.

Às vezes eu acordo no meio da noite com um braço quase necrosado, completamente sem sensibilidade, de tanto dormir em cima dele. Eu tento mexer os dedos da mão e não consigo. Em outras vezes eu acordo segurando firme os lençóis da cama, arranhando o travesseiro, sufocando. Em nenhuma das ocasiões eu acordo ao teu lado. Eu sei que sempre acordo no meio da noite. Não sei como, mas sei. Não sei como, pois eu não tomo consciência disso toda noite, mas só sei que é assim. Acontece. É real. E toda noite que eu durmo contigo eu acordo e não volto a dormir sem nem ao menos reconhecer meu estado de consciência; eu acordo e preciso parar um pouco pra ver o mundo ao meu redor, pra respirar. Pra esticar os dedos e sentir tua pele bem debaixo da minha. Pra passar a ponta do nariz nas tuas costas e saber que tu tá ali e tu és de verdade. É tudo muito real. É tudo muito possível naqueles momentos. E aí eu te vejo dormindo, te puxo sonolento pro meu colo, tu seguras minha mão sem nem saber o que tá acontecendo. É tudo muito correto. Não são bonitas as luzes da cidade a noite vistas aqui de dentro através da janela? Olha como elas parecem enormes, todas distorcidas. Parece só existir luz lá fora, e a gente, aqui dentro. Perdoa a minha insistência e meus exageros? Perdoa minhas palavras cuspidas sem pensar? Perdoa meu coração adolescente que ainda não se desprendeu de todo e que não quer perder seu lugar? Ouve que loucura de vento lá fora e sente que seguros nós estamos aqui. Ouve que zumbido assustador lá fora e só meus sussurros aqui dentro. Sente meus dedos nos teus cabelos. Me conta mais uma vez aquela história do teu avô, ou da tua avó, do teu pai, de quem tu quiseres. Mas conversa comigo. Beija meus machucados até eles sararem. Perdoa meus olhos intensos e arregalados, perdoa os machucados e inchaços nos lábios, perdoa meus dramas intermináveis. Perdoa minha risada alta demais, perdoa minha frieza e hipocrisia lá do início quando nós nem havíamos começado, perdoa minhas crises. Eu ainda sou pequena. Enrola mais um pouquinho aqui comigo, eu prometo não puxar as cobertas só pra mim. Deixa eu brincar de contar as pintinhas do teu corpo, me enche de beijos nos ombros. Não vamos sair dessa cama por um dia inteiro. Não vamos comer nem beber por um dia inteiro, só vamos consumir um ao outro. Me chama de maluca, de ansiosa, impulsiva, dramática, criança. Desliga esse televisão e ouve o silêncio comigo. Põe os dedos na volta da saliência da minha clavícula e sente meu sangue pulsando irregular. Lembra daquela vez no café, silêncio, só os nossos olhos falando, as nossas mãos tomando iniciativa. Foi naquele dia que eu me apaixonei por ti. Me dá uns minutos que a minha cabeça ainda tá rodando forte. É difícil não engasgar e sufocar de vez em quando quando se está tão apaixonada por ti quanto eu estou. Me ajuda a me livrar dessa idealização de romance perfeito pra que eu possa viver o meu. 

sábado, 5 de julho de 2014

Den stadsträdgårdsmästare.

Há um momento em que todo mundo se torna um jovem pretensioso e com mania de grandeza e de profundidade, ou de superficialidade e atitude pessimista, derrotista. Eu optei pela primeira opção mas acabei caindo na segunda. Minha memória mais viva é a de me refugiar por dias deitada no chão, olhando pro teto, fumando escondida e espirrando colônia masculina de hora em hora pro alto, contra a luz do sol, observando e procurando significado e poesia freudiana na forma em que o borrifo se comportava até sumir por completo. Sem fome, sem sede, fotossintetizando como se em algum momento eu pudesse estalar e continuar a vida. Ninguém me procurou, ninguém se incomodou. Arranquei alguns tufos de cabelo, rasguei meu sexo com as unhas longas e irregulares; roí cada uma delas até sangrar, eventualmente. Mas é só uma das lembranças, talvez nem a mais viva. Talvez eu nem tenha feito isso de verdade, só sonhado. De qualquer forma, eventualmente eu saí do chão.

As outras lembranças foram de folhas bem verdes e os braços dela. Ela foi a espécie de troféu pro meu ego superficialista e blasé, a personificação de tudo aquilo que eu queria arrancar das páginas dos artigos prepotentes nos quais eu me enfiava e esfregar no meu peito nu até fazê-lo sangrar com a tinta; ela era a própria superficialidade. Magra, pálida, profunda, nunca corava, olhos semicerrados, drogas, roupas reles, ralas. A única cor que se via nela era das veias azuis e roxas por baixo da pele. Puta macilenta, parecia que podia quebrar a qualquer momento. Seu interesse em mim era o fato de eu ser mais vazia que ela. Eu não era a única, óbvio. Ela se intitulava como uma representação fiel da vadia intimista acobertada pela sociedade e gostava disso, e portanto ia ter com várias outras mulheres e alguns esporádicos homens. Eu honestamente não me importava, desde que eventualmente ela viesse até mim.

Aparecia nos horários mais inoportunos pra classe média, mas pelo menos ela conseguia, não me pergunte como, prover as próprias drogas, cigarros e álcool. Eu nunca a vi com amigos. Deitava-se em ângulos estranhos no colchão, fechava as cortinas irregularmente, não tragava nem dispensava as cinzas com a frequência que eu gostaria. Me irrita quem fuma sem um passo certo, ora tragando incessantemente, ora deixando o cigarro consumir-se sozinho. Eu observava à distância; havia uma aura de impenetrabilidade enquanto ela se calava e eu gostava de procurar poesia nela, apesar de que, verdade seja dita, ela era poesia pronta pura quando me chamava e se despia, ou me despia só pra olhar. Era eu quem trazia cor a ela. Eu nunca a via sorrindo. Eu trazia cor nas suas feições, cor nos corações de batom que eu fazia nas auréolas dos seus seios, cor no sangue que eu arrancava às mordiscadelas no lábio inferior dela, cor nas cicatrizes dos arranhões que eu fazia questão de marcar enquanto sentia os seus ossos do colo.

Um dia ela apareceu depois de duas semanas sem dar notícia com roxos no corpo inteiro e um corte fundo nos pulsos, às gargalhadas, mas eu só notei tarde demais: ela se jogou e me abraçou, lavando meu cabelo com sangue. Eu a ajudei a remendar-se a contragosto: era ciúme que me enchia de vê-la marcada com cores dadas por outra pessoa. Perguntei se foi outra mulher, ela disse que não. Homem, casado, pai de família. Menos pior. Um dia ela me perguntou, a pedante maldita, se eu a amava. Eu deixei bem claro que tudo que eu queria dela era a superficialidade que ela trazia. Ela me agarrou com os pulsos enfaixados e me beijou, e só aí eu notei que nunca tinha a beijado na boca. Disse que me amava pra que eu me sentisse culpada e desapareceu pra que eu achasse que ela havia se matado. Por mim. E não havia nada de especial a respeito dela.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Din syster visste inte hur man spelar, och det är därför hon blev kär i mig.

Eu estava tentando me lembrar ontem de como foi que eu tinha inventado essa história. Ou pelo menos como eu comecei a inventá-la, já que nós perdemos contato antes de eu poder concluir o clímax da coisa toda. E me lembrei, eventualmente, que tudo começou naquele dia em que nós dois nos encontramos no beco, você com a cara toda manchada de porrada e eu ajoelhada por cima de um corpo presumidamente em putrefação, mas Deus, como era lindo. Russos. Russos? Passei a mão pelas tatuagens do braço e o morto se ergueu do chão, a jaqueta surradaça de couro pingando impermeável de sangue, e você me olhou meio de esguelha como quem pergunta “tá olhando o quê?” e saiu andando. Bem merecia que eu mandasse se foder, ajoelhada só de saia naquela poça de sangue e lama e provavelmente porra, afinal era um beco ao lado de uma boate, mas resolvi continuar a história. Acabei trazendo o melhor amigo, a irmã e um novo protagonista, o grilo falante. Uma vez ele me disse que eu seria perfeita se só abrisse a boca pra falar de economia ou pra chupar pau. Achei poético, mas meio pesado pra ocasião. Era o jantar de aniversário de casamento dos meus avós. Pegar o microfone foi um pouco exagerado. Mas pra você a história só começou muito tempo depois, depois do beco, depois da festa, depois da sua irmã, depois de mim. Só começou mesmo no dia da lanchonete, quando você não me reconheceu e me enforcou por quarenta e seis segundos no banheiro. Primeiro, as regras. A primeira regra era que eu jamais poderia acordar depois dele. Coloca um despertador, não sei, se vira. Não sei porque eu achei que aquilo tudo era muito glamouroso, mas acordava de bom grado, roubava uma camisa e descia pro segundo andar seminua, tilitando de frio, batendo o queixo, carregando os sapatos nas mãos, e achando tudo muito engraçado. Uma vez eu coloquei cocaína no iogurte, não sei se você se lembra, e passei a noite inteira tagarelando sobre o Jon Snow. Não esse Jon Snow. Em algum momento você deu uma risada, rolou pro meu lado e dormiu. Eu fui embora, pra casa dele, e fiquei por lá. Ele me deu um tapa e eu achei tudo muito engraçado. Ninguém nunca pensou duas vezes antes de me dar um tapa na cara, o que é trágico quando eu paro pra pensar; but then again, eu nunca paro e nunca penso. Eu me sinto extremamente lisonjeada em estar aqui hoje, deitada no chão do palco da boate, sentindo o sangue enchendo os meus pulmões. Você está bem longe, onde não pode me ouvir sufocando, mas eu consigo ouvir seus urros e o barulho de osso quebrando enquanto você espanca o terceiro homem com um pé-de-cabra. Pé-de-cabra, tão clichê. Eu dou graças por estar bêbada, então viro pro lado e vomito, dando risada, cuspindo sangue, e lembrando por que eu comecei a tentar lembrar como tudo começou. O importante agora não é o começo, e nem o óbvio fim que me espera, e sim o meio, os tempos no colchão. O dia que eu não consegui levantar da cama porque você tava me abraçando tão forte, tão suado, tão amedrontado e gelado. A noite que eu passei no apartamento da sua irmã, chorando trincada, rímel escorrendo pelo meu pescoço e secando nos meus ossos da clavícula, olhando pra cima como quem ora em desespero, a cabeça dela entre as minhas pernas. A noite em que eu não consegui soltar minhas mãos de ti de tão fundo que eu enterrei minhas unhas nas suas costas e você mal sentiu. A maioria foram noites. A noite em que nós dividimos aquela cerveja no terreno ao lado do bar da sua irmã, na frente do prédio dela, ouvindo ela transar com meu melhor amigo. A noite em que eu tomei um tiro e você saiu correndo pra me vingar, ao invés de notar que eu ainda piscava. Pra ser honesta, eu estou indignada, mas só vou notar no hospital. Alguém vai aparecer. Eu sou muito branca pra morrer assim. Pensamentos felizes, pensamentos felizes. O dia no castelo, no casamento. O dia na fonte, eu montada em você tentando empurrar seu corpo monstruoso pra dentro d’água, o casal inglês aos berros achando que nós estávamos transando ali na frente de todo mundo em plena luz do dia. A noite na fonte, quando nós transamos, na verdade, ali mesmo, na frente dos intercambistas. A madrugada em que você tirou a camisa pela primeira vez na minha frente e eu vi que você falou sério sobre ter um corpo de Frankenstein – e se irritou quando eu corrigi esse erro muito comum. Você tem um buraco na costela que eu comparei a Jesus e você chorou pela segunda vez. É muito difícil, eu descobri agora, chorar com sangue no canal respiratório. Ouvi gritos da sua irmã. Ela chegou e me viu, eu acho. Fecho os olhos. Ela grita por você e eu ouço os gritos do terceiro homem cessarem com um último golpe forte de ferro contra osso. Quanto barulho de osso estilhaçando pra um dia só. Eu ouso abrir os olhos e tem sangue escorrendo por entre as frestas do telhado. Sua irmã é um polvo, eu não sangro mais. A única coisa que a química não atingiu foi você, que permanece intacto ao meu lado, ainda você, ainda humano e real. Sua irmã me beija na boca, eu respondo de olhos abertos. Você me olha, tira a camisa e aperta o buraco na costela. Eu fecho os olhos, puxo ela pra mais perto e brinco com os dedos dela. 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ode till mig, min äldsta vän och min ärkefiende, del IV.

Claro que eu não vou agora cuspir no prato em que eu comi por tanto tempo e dizer que foi tudo horrível. Passar esse tempo contigo me fez aprender muito. Eu jamais teria criado tal pele, tal armadura, tal escudo intelectual que eu vou levar pra vida toda; sempre vão dizer que eu sou assim pelos outros, mas foste tu quem me fez assim, e nós sabemos disso. Nós sabemos que minhas cicatrizes foram todas forjadas por ti, assim como todos os curativos. Acho que a expressão que se usa é "bate e assopra", algo assim. Nós sabemos que todos os insultos mais marcantes vieram de ti, assim como os carinhos aos ouvidos, as massagens egóicas (ou seriam egoístas, puramente?). Então vamos deixar bem claro que a maior responsabilidade por quem eu fui naqueles tempos, e que estranho é falar deles assim, tão distantes, é tua.

Deixo claro aqui que tu não tens mais influência sobre mim hoje. Quero abudiar essa noção. Não, pode parando por aí, eu sei que tu vais contestar, bater pé e teimar, eu lembro bem como era isso, mas hoje não. Hoje eu vou te colocar no teu lugar e tu vais ter que aceitar, mesmo que sob protesto, que tu não és mais o meu pilar principal. Hoje o foco está nas pintas próximas ao umbigo, nas manchas violetas no meu pescoço, nos nós dos meus dedos, nos nós de outros dedos na minha pele, naqueles olhos de âmbar que caem sobre mim com tanta ternura. Aliás, se não me engano era isso que me prometeste: ternura, carinho, amor, proteção. Nada disso veio de ti, veio de mim, só de mim. Porém, como eu disse, eu não vou me comprometer a te refutar completamente. Tu foste parte de mim por muito tempo. Não posso fingir que nada aconteceu ou tu farias o favor de ser pra sempre o elephant in the room da minha vida. E eu não quero te manter, eu quero me livrar.

Não considere isso uma carta de despedida; como eu disse, é um ode. Ok, não é um ode, não há poesia nenhuma aqui, não há ritmo algum, só há a paixão. E nem digo que não há poesia como uma metáfora; literalmente, não há nada de poético nos nossos anos em companhia. O que houve foi um horror e eu espero que tu saibas disso. Acho que tu inclusive já sabias. Minto. Eu sei que tu inclusive já sabias. Não dá de mentir aqui, (in)felizmente. É doloroso pensar que tu me infligiste tanto sofrimento propositalmente, conscientemente, planejadamente. Eu lembro de tudo, o que de certa forma me protege de deixar que tu voltes. Eu prefiro morrer em vergonha do que te deixar voltar pra mim. Mas não é uma carta de despedida, é simplesmente um registro, quase uma confissão. Deixo aqui acordado que sim, tu foste tudo pra mim por muito tempo. Pro teu ego e orgulho, eu acho que isso vale de algo. Deixo aqui também declarado e explícito que eu sou sim, grata e muito por tudo que tu me fizeste, porque foram as tuas facadas na minha consciência que me deixaram do jeito que eu sou, e ainda bem que eu sou assim. Então eu agradeço por isso. Entretanto eu deixo por aqui os agrados do teu ego. Nunca mais. Nunca mais eu vou fazer qualquer coisa por ti, nem deixar que tu faças nada por mim, pra mim, em mim. A relação já acabou há algum tempo, mas ainda é muito recente, eu acho. Gosto de deixar tudo por escrito, tu sabes melhor do que ninguém como eu sou. Quero também deixar tudo bem claro, sem espaço para interpretações alternativas. E como sem mim tu não existes, considere isso não uma carta de despedida, mas uma sentença de morte. Teu primeiro e último ode e também teu atestado de óbito.

Não te preocupa. Teu nome é o meu nome e eu nunca vou me esquecer de ti. Um pedacinho de ti vai viver num canto da minha memória, mas é só pra que eu não deixe a história se repetir.