Acordei tossindo barbante. Era cedo, ainda escuro, céu azul-marinho sem estrelas; todos os pássaros estavam longe, sem cantar, bebendo para afogar as mágoas. Me pergunto agora quais mágoas pode ter um passarinho, aquela coisa tão pequena, tão encantadora, e sei que às vezes as pessoas pensam isso de mim. Não sou pequena nem encantadora, mas que mágoas pode ter alguém como eu?, porém só sei que tanto eu quanto o passarinho sentimos muito, senhoras e senhores.
Recoloquei meus olhos no lugar. Minha cabeça estava toda às avessas, de trás pra frente: eu corri a noite toda do pequeno esqueleto faminto pela minha carne, mas eu fugi com os olhos nele e a nuca guiando o caminho. Tropecei, ralei os joelhos; sangrei caramelo que infestou o chão acarpetado com pequenos cristais vermelhos donde, um dia, nascerá um prédio que comportará um banco, uma lanchonete e uma agência de publicidade. Novamente erguida, eu me permiti deitar nos braços de nuvem do meu perseguidor carniceiro, mas ele não me abocanhou, famigerado: me envolveu inteira, curou minhas mazelas e me cobriu de fumaça branca, espessa, gelada, cheirosa, e assim eu dormi. Lá quando amanheci ele não estava mais. Meu amor. Meu inimigo.
É a minha oitava pílula e não é nem quarta-feira direito. Claustrofóbica, intoxicada, eu me curvo diante do sal grosso clorido, forçando-me a enxergar dentro do escuro. A cabeça dói novamente. Sou uma conformada, refugiada, mal diagnosticada e ignorada. Sempre três passos a frente da margem, correndo da correnteza, pés leves.
Só me aquieto nos seus braços de flor. Sou fascinada pela sua boca de amêndoa. Não me acostumo com seu cheiro de limão. O meu amor.
Aff, audy, que coisa mais linda!
ResponderExcluirSoltei um suspiro tão grande depois de ler esse texto, do tipo que não dava há dias. Tu deixas meu coração mais leve, Audy!
ResponderExcluir"Sou uma conformada, refugiada, mal diagnosticada e ignorada. Sempre três passos a frente da margem, correndo da correnteza, pés leves."
ResponderExcluirNão tem o que falar depois de um texto como esse. Você escreve muito bem, Audy.
"Só me aquieto nos seus braços de flor. Sou fascinada pela sua boca de amêndoa. Não me acostumo com seu cheiro de limão. O meu amor." :~
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirESSE SE SUPEROU!!!!! <3
ResponderExcluirLindo, Audy. []
ResponderExcluirAmei ^~^
ResponderExcluirMaravilhoso, até deixou-me com uma sensação molinha no coração, não derretido, mas quentinho, como se estivesse abraçando-o.
ResponderExcluirUm dos melhores, se não o melhor, com certeza. Dá até pra adoçar um pouquinho a vida.
ResponderExcluirEsse texto é pra matar um. Lindo por demais. ):
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